E o país do futebol caiu na real.



Quando foi anunciada a realização da Copa do Mundo no Brasil, em dobradinha com os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a Zona Sul foi, em peso, para a orla comemorar. Foi um carnaval fora de época, com buzinaço, cervejada, azaração e euforia desenfreada pelas ruas de Ipanema e Copacabana. A televisão mostrou que na Tijuca e adjacências a euforia também foi geral.

A torcida começou na transmissão pela televisão da disputa pelo país que seria anfitrião da copa, acompanhada como se fosse a própria final do campeonato. Não deu outra, o tempo foi passando e as consequências foram pesando no bolso dos torcedores. Com a baita divulgação do país e da cidade na mídia do mundo todo, e a crise econômica na Europa, o turismo explodiu por aqui. E os preços dos serviços também.

Os imóveis foram os primeiros a refletir o entusiasmo pelo Rio com o aumento de 75% em seu valor, e não só na Zona Sul. É claro que a pacificação das favelas ajudou. Mas apenas ela não faria esse verão todo, da mesma forma como as andorinhas precisam de seus pares para aproveitar as delícias da estação. E com a valorização dos imóveis (boa para os proprietários) veio o aumento abusivo dos alugueis; péssimo para os inquilinos.

Ficou tudo caro na cidade, e os jovens de classe média, além de enfrentar a carestia do presente, começaram a se frustrar com as parcas expectativas de, num futuro próximo, sair de casa, constituir família e arcar com saúde e educação de filhos. O desencanto associado ao noticiário da corrupção que graça pelo país nas diferentes esferas de poder, a inflação mostrando a carranca, a péssima qualidade dos serviços públicos, a divulgação dos gastos do governo na construção de novos estádios, agravados pelo escárnio que representa a exigência do padrão Fifa de qualidade, acabaram por criar o caldo de cultura que levou às manifestações dos últimos dias. Louváveis, diga-se de passagem. E adoráveis nas mensagens dos cartazes, tais como: “Da copa eu abro mão. Quero saúde e educação”.

Mas o grande sucesso da temporada de protestos, que se convencionou chamar de “primavera” em todo o mundo, deve-se, além de vir de encontro aos sentimentos da maioria dos brasileiros com nível razoável de informação, ao fator surpresa. E isso ficou muito claro para quem acompanha a programação da TV Globo.

Primeiro foi anunciado no Jornal Nacional o espetacular esquema de cobertura da Copa das Confederações, com repórteres espalhados pelo país, moderníssimas unidades móveis de transmissão e arrojados efeitos especiais que recriam a imagem perfeita de jogadores nos estúdios da emissora. Uma parafernália do tipo Jornada nas Estrelas.

E anteontem estava lá em Fortaleza o Willian Bonner com cara de bobo, visivelmente amuado com o esvaziamento da importância jornalística dos jogos frente às gigantescas e surpreendentes manifestações do MPL, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Belo Horizonte. Mesmo mantendo a elegância que lhe é peculiar, o apresentador do JN não conseguiu disfarçar o despeito em relação à colega de bancada, a linda Patrícia Poeta no comando da situação.

Ontem, Bonner estava flagrantemente nervoso, deixando transparecer o quanto o ambiente andava pesado na emissora em relação à sua volta, apressada e imprevista, do Ceará. Sobrou para o Galvão Bueno que não conseguiu disfarçar o constrangimento frente ao anúncio de Bonner de que o locutor esportivo iria, daí em diante, substituí-lo na cobertura dos jogos.

Moral da história: o futebol é mesmo uma caixinha de surpresas.





Ultimos Capítulos de Salve Jorge

Agora que Salve Jorge está chegando ao fim, vale a pena tecer alguns comentários. Não me animei antes porque esse texto não é de animar mesmo. E digo texto por ser onde tudo começa. Não adianta ter bons atores escalados se as falas são ruins e, em alguns casos, podem inclusive derrubar o desempenho de veteranos. Veja o caso da atriz Zezé Polessa tendo que dar seu recado num português entremeado a expressões em turco. Ninguém merece. Um desastre também para Antônio Calloni, que só recentemente, quando seu personagem veio para o Rio de Janeiro, e o conflito do roubo da criança se estabeleceu, pôde mostrar toda a sua técnica e exercer seu talento.


Numa novela, a trama também é de extrema importância para o desempenho do ator. É, em última instância, o que justifica a escalação dele para um dos núcleos, que em Salve Jorge são desnecessariamente muitos. E aí, uma atriz tarimbada em televisão como Nívea Maria fica sem função durante oito meses, até aparecer no último minuto do segundo tempo o desfecho de um caso mal levado pela trama, e que por isso mesmo não criou suspense e não fisgou o espectador. Valeu apenas para a atriz dizer a que veio. Mas Stenio Garcia, coitado, ficou a ver navios nessa história.

É claro que Salve Jorge sofreu a desvantagem de substituir a excelente Avenida Brasil na grade da Globo. E trouxe, para a audiência das nove, gente como eu, que não costumava assistir TV aberta, muito menos novela. Mas peguei o gosto e hoje sinto falta de uma ficçãozinha televisiva bem alienada para dar aquela relaxada no fim do dia.

Também é claro que o folhetim de Glória Perez teve seus pontos positivos. Não por conta da conscientização a respeito da existência de redes de trafico humano, e sim pelo garantido apelo de uma trama policial bem desenvolvida, e valorizada, neste caso, pela interpretação carismática e beleza estonteante de Giovanna Antonelli. Para mim, a delegada é a verdadeira heroína da história, já que o perfil da protagonista Morena é mal delineado. Falta-lhe a fragilidade e inocência para fazer crer que foi ludibriada. Logo ela, ex-mulher de traficante, quase atiradora de elite, e descolada nas manhas do Alemão. “Me poupe!”

Mas vamos aos últimos capítulos que estão confirmando Thammy como a grande revelação do ano em matéria de novela. Na noite de ontem ela deu um show com o número de dança na boate. Linda, sensualíssima, charmosa e adoravelmente maliciosa. E não podemos esquecer o quanto o ator Adriano Garib, no papel de Russo, colaborou para elevar aquela cena ao ponto alto do capítulo, e num dos melhores momentos de toda a novela. E na cena seguinte lá estava a mesma Thammy transformada em policial. Sem glamour, sem maquiagem, despida de qualquer feminilidade, e mesmo assim sensacional.

Bem, por hoje é só. Vamos aguardar o capítulo final da novela para novos comentários. Até lá.

Adauto adulterado

Depois de quase um ano de Avenida Brasil, volto a este blog para comentar o fim da novela. Foi show. O desfecho foi tão bom quanto o desenrolar da trama e, apesar de tanta opiniões e apostas neste ou naquele final, o autor conseguiu surpreender. E o melhor, surpreender com coerência. Com a devida licença poética de que goza uma obra de ficção, pode-se atribuir nota dez com louvor ao trabalho de João Emanuel Carneiro. Pois além do grande talento e nível de informação literária demonstrado - com referências a Nelson Rodrigues, Agatha Christie, Shakespeare e Dostoieviski, entre outros - o autor não teve preguiça para desenvolver o perfil psicológico dos personagens, tornando-os tão verdadeiros e queridos ao ponto de merecerem todos nova oportunidade para recomeçarem a vida.

Carminha Sofre, foi o título da postarem anterior, logo no início da novela. Lá se vão quantos meses? Pois Carminha sofreu mesmo quase que todo o tempo, como ela própria demonstrou ao revelar o estado de exaustão a que chegou nos derradeiros capítulos. E com todos os arrependimentos, menos o de ter matado o Max que, vamos e venhamos, mereceu o fadado destino (a despeito de ser o meu personagem preferido na novela). Talvez, de todos, tenha sido o mais ambíguo. Se não, como explicar o sucesso que alcançou, e tanto com o público feminino quanto masculino. Ele que  maltratava o próprio pai, chegou a avançar para o filho, Jorginho, com uma garrafa de uísque quebrada, planejou seqüestrou e roubos, praticou todo tipo de golpe, era mais que um parasita na mansão do Tufão, chifrava o cunhado e a esposa sob o teto comum, porém, tudo com um charme irresistível, o charme dos cafajestes a lá Beto Rockfeller, ou um Alfie - O Sedutor.

Mas os momentos finais do último capítulo foram dedicados à redenção do Adauto, um personagem que dizem ter crescido por conta do desempenho do ator - o que é inegável - , mas que teve seu drama contado logo no início da novela para ser resolvido apenas no último capitulo: o pênalti  perdido por ele e que tirou o Divino Futebol Clube da primeira divisão e, ao final, 13 anos depois, o pênalti redentor.

Apesar do estigma que acompanhou o lixeiro por toda a trama,  a gente boa do Divino  tratava o Adalto com a condescendência que merecem as crianças, por perceber sua personalidade infantilizada. Infantilizada e sincera, intuitiva, alegre, sem malícia e sem censura. E isso me faz lembrar a entrevista que fiz com Maria Gal, uma jovem atriz e realizadora do espetáculo infantil "As Paparutas", escrito por Lázaro Ramos. Falando sobre a reação das crianças que assistem à peça, ela atribuiu um sentido muito próprio ao termo adulterado, ao se referir ao comportamento dos pequeninos, que ainda não passaram pelo processo de formação do adulto.

Adulterados, então, seriamos todos nós que sofremos o conflito entre emoção e razão, um processo que vem minando nossa autoestima desde que, nos primeiros anos de  vida, aprendemos a pensar e planejar o passo seguinte, o futuro, esse bicho papão em nome do qual somos obrigados a atrofiar nossas emoções. E passamos a não dizer o que pensamos, a não desejar o que não se deve, a não se comportar fora dos padrões, etc, para sermos aceitos como gente grande. Um processo que é inevitável para o livre transito na sociedade, mas  que lesiona nosso amor próprio a cada vez que, por ser humanos, não conseguimos resistir às tentações. Adulterados seguimos vida a fora tentando restaurar a autoestima com conquistas materiais e sociais. E João Emanuel Carneiro fez questão de mostrar para todo o Brasil que não é por aí.

Cadinho e suas três mulheres aprenderam a lição. Suellen e seus dois maridos deram uma lição. Qualquer espécie de amor vale a pena é o legado mais saudável dos anos 1970 que tentamos resgatar nesse terceiro milênio, depois de décadas de caretice e conservadorismo. De resto, Avenida Brasil foi uma aula de amor e o perdão, de fé no ser humano e no curso natural da vida. Reforçou a crença de que tudo passa e prestou  homenagem às emoções genuínas, à valorização de sentimentos verdadeiros. Decretou em grande estilo, e sem maniqueismos, a  derrota do truque, do golpe, do excesso de malícia, da arrogância, da esperteza e da ganância. E, em mim pelo menos, despertou a enorme admiração pelo autor, diretores e elenco de Avenida Brasil. Em especial, meu aplauso cheio de entusiasmo para Vera Holtz e José de Abreu.

Saudades ...

A História de uma saudade




Sylvia Nemer é historiadora, especialista em Jornalismo Cultural, doutora em Comunicação e autoridade em literatura de cordel. Em 2007, lançou, pela Edições Casa de Rui Barbosa, o livro Glauber Rocha e a Literatura de Cordel, no qual esmiúça a “estética da fome” e relaciona com a tradição oral popular do Nordeste as imagens de duas das obras do cineasta baiano: Deus e o diabo na terra do sol, de 1964 e O dragão da maldade contra o santo guerreiro, de 1969.

Agora, em Feira de São Cristóvão – A história de uma saudade, a autora retorna à poética do cordel, dos desafios repentistas e dos folhetos de feira para contar, desde a origem, a trajetória do maior e mais conhecido ponto de encontro da cultura nordestina fora do Nordeste.

São 120 páginas, entre textos e fotografias que mostram a feira desde as décadas de 1940 e 1950, quando centenas de retirantes nordestinos chegavam ao Rio de Janeiro fugindo da seca. Vinham de ônibus, navio, trem e caminhão, e se juntavam no campo de São Cristóvão para reencontrar cheiros, gostos, danças e sons da terra que ficou para trás.

Para contar a história dessa saudade, a autora recorre às narrativas dos folhetos de cordel, relatos dos que participaram da trajetória da feira e que constituem a memória viva do drama das secas e do êxodo rural. Narrativas que retratam a dor do exílio e a saudade da terra natal, conhecidas do Sul Maravilha na voz de Luiz Gonzaga.

E foi em homenagem ao Rei do Baião que a Feira ganhou o nome pomposo de Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, ao ser transferida, em 2003, para o Pavilhão de São Cristóvão, projetado pelo arquiteto Sérgio Bernardes, e uma das maiores áreas cobertas sem viga do mundo.

No local, a Feira ganhou em conforto e organização, além de ficar mais atraente para outros grupos de frequentadores que não os nordestinos. Mas entre uma e outra época, teve seus momentos de rejeição e aprovação. Assim como foi considerada ilegal e clandestina, sofrendo ações movidas contra sua permanência no local original, a partir dos anos 90 virou point badalado da classe média carioca, como contam os versos de Azulão:

Devido á grande riqueza


Folclórica que o Brasil tem


Turistas de toda parte


Que pra nossa terra vem


Fazem grandes reportagens


Levando em suas bagagens


Nosso folclore também


Um dos fundadores da Feira, Azulão é protagonista do DVD que integra o livro. Com direção e roteiro de Maria de Andrade, o curta-metragem é uma experiência estética para lá de audiovisual, pois atiça todos os sentidos do espectador, convidado pelo cantador e repentista a passar “horas saudosas, comendo coisas gostosas e ouvindo um bom violão.”

Para que costuamava frequentar a Feira de São Cristóvão, o livro de Sylvia Nemer é uma lembrança saborosa dos comes e bebes típicos ao som de um forró danado de bom dançado ao ar livre.
Para quem nunca foi ao Centro de Tradições, o livro é um guia cultural que vai ajudar o visitante a aproveitar ainda mais a cultura nordestina, hoje, indissociável da identidade carioca e brasileira.

 
 
 
 
Feira de São Cristóvão - A História de uma Saudade
Casa da Palavra

Carminha sofre!



Nunca fui de ver novela, até porque trabalhei durante muito tempo no telejornalismo noturno, o que me impediu de pegar o hábito de assistir televisão e me fez investir as horas livres em literatura. E nem sei bem por que comecei a ver Avenida Brasil. Acho que continuei em frente à TV depois do Jornal Nacional (melhor agora com a entrada de Patrícia Poeta), e acabei por assisti o primeiro capitulo de Avenida Brasil.

Acontece que o mesmo se repetiu no dia seguinte, e no outro também, e agora assisto a pelo menos três capítulos da novela por semana. De início, o que mais me interessou foram as cenas, a la Charles Dickens, do lixão. A inversão na lógica dos núcleos, que transformou a Zona Sul em periferia do subúrbio, também é interessante. Além do mais é um subúrbio gostosíssimo o Divino, é arejado nos costumes, dispensa o moralismo da tradicional oposição entre a romantizada gente simples e a arrogante classe A, é bonito, alegre e vulgar na conta certa.

Avenida Brasil é, além disso, um corte epistemológico na veia nacional, com sua sensualidade epidérmica, o caráter flexível, a exaltação da preguiça e a esperança de mudar de vida inteiramente depositada na grande tacada, no pulo do gato, ou no se dar bem. E tem ainda uma rapaziada bonita pra chuchu. São jovens sarados, espertos, alegres, e com ótima presença em cena. As mulheres, por sua vez são todas interessantes, vividas por atrizes que chamam a atenção pela beleza ou pelo talento, ou pela combinação dos dois, ou ainda pelo carisma amplificado, como a Mãe Lucinda, de Vera Holts.

Agora, o que mais me agrada na nova trama das oito é não ter que esperar quase um ano pelo fim da novela para ver a vilã sofrer. Por que o sofrimento de Carminha na mão do amante boçal é constante. Ele arma e ela paga o pato, sem sossego, numa casa onde todos fazem o que bem entendem, menos ela, que tem de posar de filha-de-maria, de mãe amantíssima, de grande companheira, estimada nora e boa dona de casa. Só que Carminha tem índole de periguete das periguetes. Então, ela sofre.

Junte-se a isso um texto ágil, em capítulos bem resolvidos, quase circulares, em que a trama sempre avança com a resolução de alguma crise, em ritmo mais de série do que de seriado, e tem-se um bom programa para assistir. Concordam?

Sorry Salvador...

Sorry Salvador, mas o carnaval no Rio é que foi massa. A cidade recebeu mais de um milhão de turistas, a taxa de ocupação dos hotéis chegou a 95%, e não só na orla, mas no Centro, Flamengo, Catete e Botafogo. A ideia da prefeitura de espalhar os blocos pela cidade deu muito certo, pois se houve aumento do número de foliões, o trânsito ficou mais desafogado com a maior concentração da folia na região central. O lixo ainda é um problema, mas a prefeitura informa que houve considerável melhora em relação a 2011, já que muitos blocos foram seguidos por catadores de latinhas que vivem da reciclagem.

Melhor que isso, só se resolverem o problema do xixi. Este ano, mais de mil pessoas foram detidas mijando na rua e calcula-se que o número de mal educados seja, é claro, bem maior. Aproveitando a deixa, vai aí uma sugestão: deter também os donos dos cachorros que mijam o ano todo nas ruas do Rio. E muitos desses cães são grandes o suficiente para emporcalhar a cidade tanto quanto adultos de porte médio. E ainda investir em campanhas que constrangessem donos de animais a pelo menos limpar a merda de seus estimados porcalhões, pois estes são exceções. De qualquer forma, com saquinho de plástico ou não, eu acho um horror uma pessoa levar um animal para cagar e mijar na rua. Ora, se um cidadão não se adapta às regras da cidade, que vá morar no mato.

Mas voltando ao carnaval, foi mesmo o melhor dos últimos tempos. Não que eu tenha brincado em algum bloco, apenas fiquei no Rio e fiz os programas que mais gosto e que são caminhar na praia, mergulhar no mar e ir ao cinema. Este ano, a graça era ver o máximo de filmes concorrentes ao Oscar e depois acompanhar a entrega do prêmio. Valeu. As praias estavam limpinhas logo cedo, o mar tinha ótima aparência e a água estava bem gelada como gosta o carioca.

Como eu prefiro as sessões noturnas, passei por vários blocos no trajeto para os cinemas, e pude apreciar tanto concentrações quanto dispersões. Foi impressionante o número de gente fantasiada, principalmente os rapazes, que aderiram de vez às perucas engraçadas. A alegria reinava em Copacabana e Ipanema. A rua Visconde de Pirajá era uma festa só em quase toda a extensão, sem violência e com muito humor. Aliás, a sensação de segurança foi notória no período momesco. Atestada por quem, na falta de taxi, voltou algumas vezes pra casa de ônibus, e depois da meia noite.

Por tudo isso, a prefeitura, o carioca e os turistas estão de parabéns. Já os filmes concorrentes e a festa do Oscar eu deixo para comentar na próxima postagem, por que esta já está de bom tamanho e o assunto cinema merece um espaço maior. Um abraço e até lá.

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Do frevo ao manguebeat

Meu primeiro carnaval inesquecível foi em Recife, na casa de meus tios, junto com cinco primas adolescentes. Ainda havia corso naquela época, uma tradição portuguesa com certeza que nos levava todas as tardes, durante os quatro dias de folia, à linda Avenida Guararapes em jipes sem capota alugados, como fazia toda a sociedade local.

Ressalto o caráter português da brincadeira que misturava azaração com certa brutalidade que em muito lembra uma passagem de O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, na qual ao se conhecerem no navio, vindo de Portugal para o Brasil, Jerônimo e Piedade começam o namoro de pisões e beliscões que os levaria ao altar.

Pois assim era o corso em Recife. Quando um rapaz estava interessado numa garota, vinha em sua direção e empapuçava-a toda com punhados de farinha de trigo, aproveitando a oportunidade para esfregar-lhe os braços e assanhar-lhe os cabelos. E as meninas por sua vez mostravam suas preferências esguichando contra eles jatos de bisnagas cheias de água e óleo de cozinha. Uma porcaria só, mas gostosa como o quê.

E assim se preparava o clima para os bailes da noite, depois de horas e horas de banho, até que se conseguisse limpar toda a gororoba. Lindas, então, íamos dançar e continuar a paquera nas festas do Country Club, do Náutico, e do Internacional. Ali, o frevo corria solto e eu, carioca de primeira viagem, ficava fascinada vendo os homens de smoking e as mulheres de longos ou fantasias de luxo, tanto jovens como velhos, afluírem ao salão em passos frenéticos ao som contagiante dos naipes de sopro tocando Capiba.

Tais lembranças me ocorreram com vivacidade não apenas por estarmos já em clima de carnaval, mas principalmente por conta do livro Do frevo ao manguebeat, que acabo de ler. Nele, o jornalista e crítico musical José Teles faz um passeio pela história da música pernambucana, passando pelos gêneros historicamente reconhecidos, como o frevo e o forró, pelo erudito e instrumental, até a música urbana contemporânea que, na versão de Chico Science e Nação Zumbi, estourou na Europa e Estados Unidos, influenciando todo o pop brasileiro dos anos 90.

Paraibano de Campina Grande, José Teles cresceu no Recife onde escreve para o Jornal do Commercio desde os anos 80. Com cerca de 20 livros publicados, é autor da biografia do Quinteto Violado, lançada agora em comemoração aos 40 anos do grupo, numa exposição no Centro Cultural dos Correios.

Fã da qualidade e diversidade da música pernambucana, que considero das mais criativas e instigantes do mundo, aproveitei a chance e fui entrevistar Marcelo Melo, remanescente da formação original do Quinteto Violado. De quebra, assisti ao espetáculo do grupo que desfila frevos, forrós e baiões numa concepção musical de interação entre o erudito e o popular que faz a gente sair do chão, de corpo e alma.

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O Rio de Janeiro e suas bicicletas voadoras

A economia do Brasil está bombando e isso se reflete diretamente no turismo do Rio de Janeiro. Na Zona Sul, principalmente, mas também no Centro e na Lapa o que mais se vê são visitantes de outros estados brasileiros. O pessoal do Centro Oeste é o mais frequente e disputa lugar nos restaurantes e bares da orla com os estrangeiros, que continuam vindo para cá aos montes e cada vez mais em grupos de jovens. Quem se aventurar a dar uma volta em Copacabana, num final de tarde qualquer, poderá conferir que o turismo no Rio já não é apenas sexual, e isso há algum tempo.


Na verdade, o Rio de Janeiro está se firmando como point internacional para todo tipo de gosto, gênero e idade. Porém, para o carioca, a coisa não está tão boa assim. A começar pelos preços inflados dos serviços e moradia. Hoje, um jovem casal carioca que se casa e quer constituir família vai ter que mudar de vida mesmo. Mas para pior, porque os preços dos imóveis para compra e aluguel, no mínimo, triplicaram em menos de 5 anos. Tudo bem se os salários aqui tivessem acompanhado a euforia do mercado imobiliário. Não é o caso. Pegue uma empresa nacional e compare o contracheque de um gerente do Rio com um de São Paulo. De banco às teles, a discrepância é abissal.


Para os mais velhos, a vida no Rio também não melhorou. Acho até que está bem pior, apesar da pacificação das favelas. É inquestionável que a cidade está mais segura do ponto de vista da macroviolência, viu-se livre da barbárie do tráfico e etc. E isso contribuiu efetivamente para fomentar a euforia social e econômica em que o Rio vive hoje, aditivada ainda pelas expectativas em torno da Copa do Mundo e Olimpíadas.

Mas é do dia a dia que estou falando, do transito dos pedestres pelas calçadas, em seus próprios bairros e adjacências. E aí a coisa pega, e compromete a qualidade de vida do morador do Rio. Pois veja, numa singela ida ao supermercado um idoso morador de Copacabana corre o risco de ser atropelado, já que a avenida que corta o bairro virou corredor exclusivo de ônibus, o BRS. Está certo que o coletivo tenha prioridade, pois foi justamente a falta de transporte público rápido, barato e seguro no Rio de Janeiro a grande responsável pelo crescimento desordenado da cidade e seus perniciosos efeitos colaterais. O que falta é levar em conta a condição do pedestre de um bairro que tem, em sua maioria, moradores da terceira idade. No BRS da Av. N. S. de Copacabana, muitos sinais fazem contagem regressiva de 10 segundos no vermelho, uma verdadeira gincana para os idosos que frequentemente são vítimas de atropelamentos com um número assustador de óbitos.


Nas calçadas há perigo também. E se antes eram os entregadores do comércio com suas bicicletas e triciclos voadores a trafegar pela contramão e cortar caminho pelas calçadas levando pânico aos mais velhos, a eles se juntaram, nos últimos tempos, os ciclistas de todas as categorias, motorizados ou não, jovens ou maduros, a trabalho ou a passeio. Eu mesma seria forte candidata à vítima desses maníacos, não fosse o cuidado que tenho atualmente ao andar também pelas calçadas . E aí, ainda temos que sofrer com a merda dos cachorros, já que para cada dez donos de au-au apenas um leva o saquinho sanitário.


Bem, eu sou carioca da zona sul, adoro praia, caminhar na orla, ir a cinema de rua, tomar cafezinho no botequim e suco de fruta na lanchonete. E é por amar caminhar nas ruas do meu bairro que chamo a atenção para esses detalhes que fazem a qualidade de vida do morador.


Torço pelo Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa de fato, que está sim cada vez melhor. Mas nem por isso acredito que devemos nos acomodar e deixar de apontar defeitos e reivindicar iniciativas de quem por direito e dever administra o estado e a capital. É também direito e dever de todo cidadão apontar desmandos para ajudar a garantir uma satisfatória qualidade de vida para todos os moradores de sua cidade.

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A pele que habito

Bem garota, nos meus oito ou nove anos de idade, presencie uma cena que guardo até hoje como amostra da condição existencial do indivíduo, único, sozinho, abandonado em sua paixão pessoal e intransferível. Aconteceu em uma tarde preguiçosa de verão do Rio de Janeiro. Uma aparentada nossa foi recebida em casa com certa consternação, um ar inusitado de solidariedade permeando a habitual amabilidade com que meus pais costumavam receber.

O fato me chamou a atenção e passei a acompanhar de perto a visita. Tratava-se de uma mulher, magra e muito curvada. Não pela idade, que não devia passar dos quarenta e tantos anos, mas pela intensa aflição que lhe pesava como um fardo. E lhe ardia pelos poros, engelhava-lhe o rosto e fazia saltar-lhe as veias das mãos que alisavam mecânica e nervosamente a alça da bolsa de couro roto que trazia no colo.

Essa triste figura passava pelo desgosto de ter o marido preso por conta de uma refrega num bar, na qual atirou em um homem com uma arma que nem era sua. Era um boêmio inveterado, mas muito querido dos meus pais e alegre e carinhoso conosco, crianças, a quem costumava segredar com muita verve diabruras da infância. Seu nome era Odraude, o contrário de Eduardo, e pelo vaticínio de nascimento vê-se logo o porquê de, em toda uma família de biografias exemplares, ter sido ele o único a sair ao desvio.

Mas o que me fez mergulhar assim no profundo das minhas lembranças foi assistir ao mais recente filme de Pedro Almodóvar, A pele que habito. E aproveito para dizer que não entendo como o filme não foi um sucesso estrondoso logo na noite de abertura do Festival do Rio. Acreditando-se que o público ali era de, senão de cinéfilos, gente interessada em cinema, convidada para fruir o que a sétima arte produziu de melhor no último ano. Ou as pessoas vão a uma estréia mais para ver e serem vistas, somente para fotos e flashes?

Perderam!, pois A pele que abito é um filmaço-aço-aço. Quem saiu no meio da sessão no Odeon para esperar a festa no barzinho ao lado perdeu uma aula de cinema. Um roteiro ousado e ao mesmo tempo preciso, adaptado de uma história originalíssima, que fala de alterações nas várias camadas do sentimento humano e na delicada estrutura de identidade do indivíduo. Uma direção de arte que brinda o olhar da audiência a cada enquadramento e ao acompanhar a ação, valorizada pela atuação de um Antônio Banderas surpreendente.

Ora, essa história plausível e fantástica ao mesmo tempo, contada com excelência cinematográfica, é uma metáfora da condição existencial de todo ser humano. E me envia diretamente ao momento em que percebi pela primeira vez na vida o que seria sentir na pele a falta do marido, o desamparo dos filhos e a humilhação social. Leva-me àquela tarde e à resposta da mulher ao comentário desdenhoso de um cunhado indiferente ao seu infortúnio: “Você diz isso, fulano, porque não está na minha pele.”

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Salomão e o Festival do Rio

Dizem que a economia por aqui está bombando, muito por conta das escolhas acertadas nos investimentos sociais da era Lula, a despeito da crise internacional. Ou talvez por isso mesmo, como acreditam outros, os europeus estejam investindo pesado no Rio de Janeiro, e daí a recente alta espetacular nos preços dos imóveis nos últimos dois anos. Há os que apontam ainda a expectativa de forte injeção de grana na economia carioca por conta da Copa do Mundo e das Olimpíadas vindouras. Eu, sinceramente, não sei fazer um diagnóstico nem mesmo impreciso do que ocorre, mas percebo os sintomas de um Rio de Janeiro eufórico e angustiado ao mesmo tempo.


Noto uma população tão animada que chega a ser ansiosa no afã, perdoem o pleonasmo, de aproveitar ao máximo toda a oportunidade de diversão que lhe é apresentada. Foi assim na última Bienal do Livro, no Riocentro que fez recorde de público. Nunca se viu tanto visitante no evento, ao ponto de ter sido necessária a intervenção da Defesa Civil, para controlar a lotação do espaço no último dia. Mas a Bienal tem entrada franca e é programa para toda a família, dirá você. Sim, no entanto, foi sempre dessa forma e nunca houve, nas quatorze edições anteriores, tanta gente interessada em ver livros assim.


E o que dizer do Rock’nRio? Outro estouro da boiada. Filas de seis horas para andar na roda-gigante, quatro horas para a montanha russa e outras tantas para outras atrações. É muita vontade de dar voltas e reviravoltas no ar, ou eu estou mesmo ficando velha e não sou capaz de avaliar o grau de satisfação proporcionado por esses brinquedos.
Então vejamos o tipo de diversão mais apropriado para a minha idade e estilo de vida: cinema. Sempre acompanhei o Festival do Rio, com qualquer nome que tenha tido, não perdi uma de suas várias edições. Fui assídua frequentadora da plateia do Odeon e fiz bons amigos no café do teatro, gente que conheci ou reencontrei durante os intervalos das sessões. E, com crachá ou convite, sempre consegui assistir aos filmes que quis, muitas vezes um seguido do outro, como propõe a própria programação do evento.
Acontece que este ano a coisa mudou. Ou venderam mais ingressos do que a lotação do Odeon, ou em anos anteriores não havia a euforia de que falei mais acima. Só sei que com tempo bom ou com chuva as filas eram imensas e quem saísse de uma sessão não conseguiria lugar na sessão seguinte, mesmo que ficasse mais de meia hora na fila. Aliás, a média foi de 45 minutos de fila por filme exibido. A estimativa é minha, baseada em experiência própria ou no depoimento de amigos. Uma pena para os verdadeiros cinéfilos e uma falha para com os que estavam ali a trabalho, como o Salomão Azaria.

Salomão é um dos camaradas que fiz no café do Odeon, há alguns anos, numa edição do festival. Ele me foi apresentado por uma amiga em comum e desde então somos companheiros da maratona cinéfila. Hoje, mais do que isso, somos amigos. Salomão faz o Festival de Cinema Brasileiro de Israel, e o faz como ninguém. Todos os anos leva uma seleção dos nossos melhores filmes para a mostra que ocorre nas três principais cidades do país, Tel-aviv, Haifa e Jerusalém. Acompanhando os quinze longas-metragens, sendo dez de ficção e cinco documentários, vão diretores ou atores dos respectivos filmes que junto com jornalistas ou críticos formam a delegação de brasileiros convidados pelo festival. Eu mesma fui convidada em 2008 e fiz a cobertura do festival para o Jornal do Brasil.

É claro que Salomão precisa assistir a todos os filmes, caso contrário a seleção seria tendenciosa, ou no mínimo injusta, ao recair apenas sobre parte das obras inscritos no festival. Pois acreditem, a disposição de Salomão é tanta que ele chegou a assistir a um filme sentado no chão. Foi Sudoeste, logo a vedete do festival. Saímos juntos do filme anterior e entramos diretamente no fim da fila que dava a volta no quarteirão, mas não conseguimos um assento. Eu fui embora. Salomão sentou-se na escada, no fundo da plateia, e assistiu impávido ao filme até o fim. Eu morri de pena de não ver Sudoeste. Salomão adorou o filme que já está na lista dos que serão exibidos no Festival do Cinema Brasileiro em Israel.
Moral da história: No final dá tudo certo, mas dessa vez foi por um triz. E